O Ministério Público Federal
(MPF) ingressou com uma ação civil pública exigindo da Caixa Econômica Federal
(CEF) e da União a devida fiscalização das obras realizadas com recursos
públicos, cujos contratos sejam intermediados pelo banco. Investigações apontaram
que o método falho atualmente usado para vistoriar as obras tem permitido o
desvio desse dinheiro, além de servir de argumento para a defesa de maus
gestores.
Aproximadamente 15% dos
procedimentos que apuram possíveis casos de corrupção – dentre os que tramitam
no MPF no Rio Grande do Norte - estão relacionados a contratos nos quais a CEF
é interveniente e tutora e que, se somados, representariam milhões em recursos
públicos. Uma recomendação enviada ao banco, em 2017, já alertava dos cuidados
necessários para uma fiscalização mais eficiente e dos riscos em não adotá-los,
contudo nada foi feito.
Autor da ação, o procurador da
República Fernando Rocha destaca que é necessário que a Caixa efetive o devido
monitoramento das obras – do ponto de vista quantitativo e qualitativo - com
equipe de engenharia que confira in loco a compatibilidade entre o executado e
o previsto. As investigações constataram que a CEF tem descumprido
reiteradamente, em suas vistorias, as disposições legais, incluindo as da Lei
nº 8.666/93 (Lei de Licitações) e da Resolução nº 1.010 do Conselho Federal de
Engenharia e Agronomia – Confea.
Falhas - De acordo com o
inquérito civil, “na execução dos contratos de repasse no Rio Grande do Norte
em que atua como interveniente, a fiscalização das obras se limita a fazer uma
vistoria que consiste, literalmente, em 'visualizar' a obra”. A deficiência
nessa metodologia facilita o desvio dos recursos públicos federais, a
inexecução do objeto dos contratos e o enriquecimento ilícito de terceiros.
Segundo o procurador, o setor de
engenharia da CEF – responsável por autorizar os pagamentos das parcelas
conveniadas - tem adotado uma rotina de medições que não obedecem ao mínimo de
detalhamento necessário para evitar irregularidades. “Esse método tem se
prestado ainda para que os maus gestores se valham como meio de defesa em ações
judiciais para fundamentar a impunidade de seus atos (…). 'Se a caixa econômica
federal autorizou, porque eu iria ser contra o pagamento?'”, revela Fernando
Rocha.
De parte da União, por sua vez, a
ACP aponta a inércia e omissão de quem deveria zelar pela integridade do
contrato de repasse, mas que tem permitido que os recursos públicos sejam
investidos sob uma fiscalização falha praticada pelo banco.
Recomendação – A Caixa não se
dispôs a ajustar, em consenso com o Ministério Público Federal, suas ações
quanto à fiscalização dessas obras, restando apenas o caminho da
judicialização. Mais de três anos depois de enviada uma recomendação (em
outubro de 2017), a Superintendência no Rio Grande do Norte não atendeu aos
pedidos, dentre os quais que as vistorias promovessem “a realização de
medições, comparações com os materiais previstos e exigidos no projeto e no
plano de trabalho, tanto em seus aspectos quantitativos quanto qualitativos,
evitando-se, dessa forma, a realização de vistorias superficiais”.
A falta de uma rotina mais
eficiente faz com que, na prática, a fiscalização fique exclusivamente a cargo
do engenheiro indicado pelo tomador dos recursos, abrindo a possibilidade de as
obras serem executadas de forma diferente do previsto. “A União, que concede os
recursos para execução da obra, não fiscaliza de forma escorreita o seu destino
exatamente porque a Caixa Econômica Federal, a quem sobeja o monitoramento do
contrato de repasse, faz mera vistoria, que se revela deficiente para garantir
a integridade da sua execução”, observa o MPF.
Corrupção – Um levantamento
apontou que, de 555 procedimentos que investigam atos relacionados a corrupção
na Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, ao menos 79 apuram
ilicitudes em contrato de repasse em que a Caixa Econômica Federal é
interveniente e tutora. “Nesse cálculo, evidentemente, não constam as inúmeras
ações judiciais cíveis e criminais por atos de improbidade administrativa
movidas pelo MPF/RN contra gestores que se valeram da deficiência no método de
fiscalização da CEF para desviar ou, na melhor da hipóteses, não executar integralmente
o objeto do contrato de repasse”, acrescenta o procurador.
Em diversas dessas ações, os
engenheiros da CEF informaram que sua função se resume à “análise visual da
obra”. A orientação da Caixa seria a de se fazer a inspeção sem se aprofundar
em relação a quantitativos ou à qualidade do material. “Tal omissão possibilita
que centenas de milhares de reais em recursos públicos federais sejam desviados
em todo o país, porquanto relega a responsabilidade pela fiscalização da obra
ao fiscal do respectivo Estado ou Município, que, não raras vezes, é nomeado
pelo respectivo gestor.”
A ACP irá tramitar na Justiça
Federal sob o número 0808464-23.2020.4.05.8400.