Foto: Ana Branco / Agência O Globo. |
Há quatro anos, a carteira
assinada de Silvio Xavier, de 39 anos, deu lugar à informalidade. Desempregado,
passou a ganhar a vida como vendedor de balas nos ônibus do Rio. Nas últimas
semanas, com as medidas de contenção do coronavírus, a atividade informal se transformou
numa luta pela sobrevivência.
Xavier, que nunca recebeu Bolsa
Família, viu a renda cair de uma hora para a outra. Ainda sem qualquer ajuda do
governo para se proteger em casa, ele resolveu se arriscar e voltar às ruas,
contrariando as recomendações de especialistas e autoridades de saúde.
Xavier é um dos 5,4 milhões de
brasileiros que devem entrar na extrema pobreza este ano por conta da pandemia
de coronavírus, segundo estimativa do Banco Mundial. A instituição também prevê
retração de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2020, a maior em 120
anos.
Se isso se confirmar, o número de
pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 por dia ou R$ 145 por mês (o Banco
Mundial usa câmbio diferente do atual para o cálculo porque considera a
comparação do poder de compra entre os países), no país aumentará de 9,3
milhões para 14,7 milhões até o fim de 2020.
A taxa de pobreza extrema
chegaria a 7% da população, o maior patamar de miseráveis desde 2006, quando
7,2% dos brasileiros viviam nessas condições.
Parte desses “novos pobres” nunca
recebeu benefícios do governo, e agora precisam de ajuda. Xavier, que mora com
a mulher e três filhos numa casa alugada na Favela da Maré, na Zona Norte, se
inscreveu para receber o auxílio emergencial de R$ 600 por três meses oferecido
pelo governo, mas ainda não recebeu. Enquanto espera, recebe mantimentos da
organização Gerando Vidas, que apoia desempregados.
— Se não receber a ajuda do
governo, vou ter que continuar indo para a rua — diz o vendedor de balas.
17,9 milhões já receberam
Epidemiologistas e a Organização
Mundial da Saúde (OMS) defendem o isolamento social dos que podem ficar em casa
como o caminho para enfrentar o coronavírus. Especialistas afirmam que é
preciso encontrar meios para amparar os mais pobres para além da renda básica
prometida por três meses diante das consequências econômicas da pandemia.
Em um ano, o país colocará mais
gente na miséria que na crise econômica dos últimos anos. Entre 2014 e 2019, o
país jogou 3,8 milhões de brasileiros nessa situação.
No domingo, a Caixa Econômica
Federal informou que já foram finalizados 40,5 milhões de cadastros para o
auxílio emergencial, sendo que 23 milhões tiveram os dados checados.
Considerando os registrados no Cadastro Único, 17,9 milhões já receberam,
segundo o banco. A estimativa é que 70 milhões de pessoas recebam.
— Com a paralisação da economia,
temos que contar com o Estado entrando muito forte para amparar os grupos mais
vulneráveis — diz Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Por que muita gente ainda não
recebeu? Muitos informais eram “invisíveis” para o governo porque não recebiam
qualquer assistência social, como Bolsa Família ou seguro-desemprego. A
Dataprev diz levar cinco dias úteis para checar dados de inscritos e liberar o
dinheiro. Muitos tiveram dificuldade na inscrição por ter CPF irregular.
Nos últimos anos, a lenta
recuperação do emprego, puxada pela informalidade, não chegou aos mais
vulneráveis. A renda do trabalho ficou praticamente estagnada enquanto o PIB
per capita retrocedeu ao patamar de 2009. Na avaliação do economista Marcelo
Neri, diretor da FGV Social, esse quadro dificultou o combate à extrema pobreza
no país, já limitado por questões orçamentárias e políticas. Agora, o desafio é
maior.
— Tivemos um desajuste no Bolsa
Família. Concedemos o 13º pagamento, mas tiramos mais de 1,1 milhão do
programa, e a fila voltou. Embora tivesse uma retomada lenta em curso, essa
crise do coronavírus chega num cenário no qual a extrema pobreza avançou 71% desde
2015, após ter caído 73% entre 1990 e 2014. Ou seja, não recuperamos nem o que
perdemos — diz Neri.
Solidariedade como saída
Apesar de anunciado há um mês, o
auxílio emergencial ainda não chegou a muitas famílias. Carla Grigório, de 43
anos, viu a renda com a venda de turbantes e acessórios na rua despencar de R$
3 mil para zero.
Mãe solteira e com quatro filhos
em casa, ela recebeu R$ 120 do Projeto Mães das Favelas, da Central Única das
Favelas (Cufa), que pretende beneficiar cerca de 40 mil mulheres durante a
pandemia. Ainda ganhou mantimentos de vizinhos no Complexo do Lins, na Zona
Norte, onde vive e também é líder comunitária.
— Estamos dependendo de doações,
mas o Lins não tem tanta visibilidade. Não há projetos sociais apoiados pelo
Estado. Quando me perguntam, não sei dizer o que vamos fazer. Procuro não
pensar no amanhã, só no hoje — diz.
A pobreza deve se agravar ainda
mais no Nordeste, onde o número de informais ultrapassa o de trabalhadores com
carteira assinada em seis dos nove estados. Segundo estudo da consultoria
iDados, 21,1 milhões de brasileiros que se enquadram nos critérios para receber
o auxílio emergencial estão no Nordeste, o correspondente a 51,2% da população
adulta da região.
Combate mais difícil
Para Victor Hugo Miro, coordenador
do Laboratório de Estudos da Pobreza da Universidade Federal do Ceará, o
governo terá que atuar com foco específico para reduzir essas desigualdades na
região. E sob condições muito diferentes das do período anterior a 2014, com
crescimento econômico, emprego e renda em alta:
— Agora estamos prevendo uma
recuperação lenta da atividade econômica. Será combater a pobreza em condições
adversas.
Os especialistas avaliam que a
pandemia pode favorecer uma expansão da rede de proteção social no país, apesar
das restrições orçamentárias. Para Neri, da FGV, essa será uma decisão
política:
— Os pobres se tornaram
invisíveis. Eles estão em alta agora, mas isso não garante nada. Nos últimos
cinco anos houve um descuido da sociedade como um todo com essa parcela. Embora
estejamos falando desse benefício emergencial generoso para os mais pobres,
essas coisas mudam rapidamente.
*O Globo via Blog do JP.
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